Como nasceu a Saudade
Passaram-se os dias maravilhosos do alvorecer do mundo. Chegou a hora da tentação, e a alma frágil do homem cedeu às vozes da desobediência e do mal.
Foi então inexoravelmente expulso do jardim das delícias.
Revoltado consigo mesmo, por haver dado atenção às palavras enganadoras de Eva, saiu sozinho a perambular pelas extensões áridas da solidão, pelos ermos do mundo, atravessando matagais e ferindo-se nos cardos e espinhos.
Cansado e triste, com o peito sangrando pelos ferimentos e sob dor aguda, lembrou o gosto das frutas, o esplendor da luz, o encanto das nuvens, o perfume das flores, as delícias do paraíso.
Este misto de dor e alegria ficou impresso no coração do primeiro homem, e até hoje se perpetua em todos os seus descendentes. Como cada coisa tomou um nome, esse prazer amargo se chamou saudade.
(Athalicio Pithan, “Lendas e Alegorias” – Edições Brasília, Porto Alegre, 1945)